SABEDORIA DO TEMPO


Partilhar divagações, sonhos, anseios, entregar-se a devaneios é uma experiência única e extremamente prazerosa. Imagens surgem, assumem formas, fazendo a viagem de volta ao tempo que não é mais nosso, que não é mais real. A saudade nos faz voltar.
Felizes, retornamos aos encantos de tempos idos, sentimentos em construção passeiam por lembranças que insistem em morar dentro de nós: juventude, beleza, descompromisso, inocentes encontros de amor; relações que atravessam incólumes os solavancos da vida. Nesses momentos, se pudéssemos, acessaríamos a senha, o código que traria de volta esse tempo povoado por doces lembranças que convencionamos chamar "primeiro tempo". Páginas e páginas poderiam ser escritas sobre ele, um livro, quem sabe? E o tempo que o sucedeu, o presente, o tempo real? Nesse ponto, as divagações nostálgicas cedem lugar ao mundo dominado por jovens que já nasceram cibernéticos e virtuais, incansáveis na profusão de descobertas, intangíveis para quem tem tantas lembranças, tanta história para contar; inovações que nos deixam deslocados, perdidos, perplexos, isolados.
Embora paradoxalmente tenhamos consciência que a superação é algo que se impõe, que inclusão é a palavra-chave, quanta dificuldade isso representa na prática, quantas tentativas frustradas, quantos retrocessos... Talvez tenhamos uma carta na manga para sair desse impasse, aliás, não falo mais "talvez", mas "certamente" há algo que, modestamente, temos de sobra: sabedoria. A sabedoria como expressão plural, como sinônimo de força, persistência que não arrefece no seu afã de libertar, de soltar amarras, de nos tirar do limbo, de nos tornar vitoriosos, agindo principalmente naqueles em que as lembranças, correndo soltas e fagueiras, vislumbram certa bifurcação nesse caminho, é o mundo real batendo em nossa porta.
Saber usar a sabedoria como instrumento, como ponte nesse sentido amplo, plural, é igualmente forma de inclusão num mundo que, mesmo virtualizado, também é nosso. Tudo isso, claro, com empenho, esforço e persistência, "quebrando pedras e plantando flores", como falou Cora Coralina, poetisa que se lançou na literatura aos 76 anos de idade.

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