FELICIDADE INCIVILIZADA



     Não havia até hoje percebido como é tênue o limite entre felicidade e civilidade. Na verdade, nunca havia posto tais palavras em cotejo.

     O êxtase profundo nascido de uma grande conquista nos domina os sentimentos e o corpo, fazendo-nos saborear a tão desejada felicidade. É um sentimento tão intenso que, quando chega ao seu grau máximo, retira-nos a consciência e a noção de limites, e é nesse momento que a felicidade se choca com a civilidade, resultando no seu degenerativo: incivilidade.

     Em nosso país de belezas, encantos e comemorações mil, a incivilidade se traveste de efusividade e rompe os limites do respeito diariamente e de forma indiscriminada.

     E posso comprovar o que digo com um exemplo bem comezinho, sem hastear bandeiras ou cores políticas.

     Nós somos o país do futebol e, durante o ano, nossos times disputam vários campeonatos (Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Taça Rio, Taça Guanabara, Copa São Paulo, campeonatos locais, Libertadores da América, Copa Sul-americana, Copa dos Campeões... UFA!!!)e a cada final – para não ser tão radical e dizer a cada jogo – os vencedores, em nome da alegria pela vitória – não que não devam comemorar e ficar felizes, podem e devem – rompem, ignoram, atropelam, esfacelam os limites da civilidade e bradam, para Deus e o mundo, sua incivilizada felicidade.

     Refiro-me, logicamente, aos excessos - normalmente regados a muito álcool – de gritos, fogos, buzinas, sons automotivos e imprudências variadas ao volante. E tudo isso, registre-se, acontece, muitas vezes, altas horas da noite em que nossas crianças estão dormindo e se acordam assustadas, em que pessoas que nem gostam de futebol estão descansando em suas casas, doentes, idosos, trabalhadores... todos sendo compelidos a compartilhar a felicidade incivilizada dos outros.

     Mais uma vez digo, todos têm o direito de se comprazer com uma vitória, com uma conquista, mas não se pode esquecer que as outras pessoas também têm o direito de ter respeitada sua paz, seu sono, sua tranquilidade, sua dor, seu cansaço, sua tristeza.
     Está-se aqui, na verdade, a falar de respeito que, em sociedade, é o limite balizador das ações humanas, é o que, afinal, torna-nos cidadãos. Mas, como a felicidade incivilizada nos moldes expostos aqui se difunde sem identidade, é muito mais difícil de ser contida, restando-nos apenas rogar para o bom senso de cada um que, quando retornam ao estado normal, são homens e mulheres que trabalham, têm filhos, ficam doentes, tristes, têm sono, cansaço...

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