QUEM SOMOS NÓS?




Atualmente, ações corriqueiras, como preencher um simples e burocrático formulário, podem nos levar a reflexões filosófico-culturais profundas, trazendo à tona, entre outras questões, a resistente e insolúvel indagação: quem somos nós? Proponho, então, uma autoanálisse a partir do tensionamento e desconstrução de alguns conceitos ideologicamente sedimentados para que possamos nos aproximar de algumas respostas, ou não.

Ao longo de nossa existência naturalmente construímos, segundo Stuart Hall, uma cômoda estória sobre nós mesmos, estabelecendo uma conformadora narrativa do "eu", que estabiliza nossa identidade em torno de signos referenciais que nos estandardizam e posicionam social, política e culturalmente, indicando, em última análise, nosso pertencimento.

A partir dessa concepção, podemos afirmar que nossa identidade se forma pela conjugação de referenciais ideológicos do passado e de aquisições referenciais do presente (influenciadas pelo primeiro elemento), que se naturalizam e replicam, projetando para os outros (externamente) uma imagem representativa desse "eu" pretensamente completo e acabado, mas que guarda uma incompatibilidade anacrônica com a realidade social volátil e contingente da atualidade.

No contexto líquido (Bauman) da pós-modernidade, não se pode dizer que as pessoas possuem mais uma identidade única e permanente, mas identidades variadas e até mesmo conflitivas, empurrando-nos em diferentes direções (Hall), e nos posicionando a cada momento e de acordo com certas circunstâncias, em qualificações (modelos, status, perfis etc.) diversos, sendo então mais adequado falarmos em processos de identificação que se deslocam continuamente entre campos identitários variados, que formam o grande sistema de classificação das diferenças, composto por conceitos posicionais como: gênero, raça, idade, classe social, religião, pertencimento regional e tantos outros que surjam.

Enfim, diante das considerações levantadas, responder peremptoriamente à questão formulada neste post e traçar um perfil identitário estabilizado e absoluto parece não ser tarefa das mais fáceis, talvez também não desejável nem salutar, cabendo a nós nos conformarmos com esse caráter fragmentado de nossa identidade e desestabilizador de nossas cômodas estórias.

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